O Menino e o Palhaço

Alguém deixou de limpar as janelas daquela casa 
há muito tempo.
Alguém trocou os vidros daquela casa 

por grades de ferro que agora enferrujaram.
Menino faz aritmética ao frio 

por causa da avó que o mandou para as obras acartar tijolos
enquanto faz sopa de cimento.
E nos tapetes rolantes ele engraça com o palhaço triste
que num elevador morto vive
e que faz truques com baralhos de cartas
sujos e absurdos.
E os reis e os pajens
já há muito que deixaram de fazer a barba
e parecem uns mendigos,
e as rainhas que envelheceram ao frio,
e os cabelos delas caíram precocemente.
O palhaço queria um baralho novo,
brilhante, de plástico,
que durasse a sua eternidade.
Seria o seu tesouro.
O menino que faz aritmética
com giz e ardósia preta distrai-se
e acaba a jogar à bisca com ele
e deixa-o ganhar porque tem pena.
A sopa de cimento já está a ferver,
estão os dois com fome,
juntos e agora, no meio do fumo e do frio
vão finalmente comer.

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